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“Educar a inteligência espiritual não significa dar catequese”

julho 11, 2017

O filósofo e teólogo espanhol Francesc Torralba chegou ao Uruguai convidado pela Associação Uruguaia de Educação Católica (Audec) que, no marco do XXIV Proeducar, uma instância de formação para docentes e diretores de colégios católicos, o convidou para uma palestra sobre inteligência espiritual. No colégio La Mennais, Torralba ponderou os benefícios deste tipo de inteligência destacada recentemente. Em diálogo com El Observador afirmou que inclusive os estados laicos, como Uruguai, podem fomentá-la em seus estudantes.

O que é a inteligência espiritual?
A inteligência espiritual é uma modalidade. A grande mudança chegou através de Howard Gardner que elaborou a teoria das inteligências múltiplas. Ele não chegou a falar de inteligência espiritual. Em 2001 se começou a falar dela. Ela nos possibilita uma série de operações ou atividades que são genuinamente humanas. Por exemplo, se interrogar sobre o sentido da vida, se admirar diante da realidade, a capacidade de tomar distância da própria vida e autoanalisá-la, a capacidade de orar, de meditar.
É uma modalidade de inteligência que está em todas as pessoas e que precisa ser cultivada e educada como as outras modalidades. Como acontece com a inteligência lógica e linguística, há pessoas que têm a Inteligência espiritual desenvolvida, e outras a têm atrofiada.

Então, é possível fomentar a inteligência espiritual?
Claro. Escrevi três livros sobre esta questão e observei que em alguns países do mundo, como Canadá, Austrália e alguns estados dos Estados Unidos, há programas de educação da inteligência espiritual para crianças e jovens. Estes programas são de centros educativos públicos e laicos, não eclesiásticos.

Como se conjuga isso?
Surpreende porque pensamos que espiritualidade é igual à religiosidade. É um erro, porque religiosidade evoca relação, geralmente com um deus. Espiritualidade não significa necessariamente afirmar um deus. O budismo é uma espiritualidade e não há deus. Quando alguém pratica ioga, tai chi ou a meditação zen está praticando atividades de tipo espiritual, e, contudo, não há deus. Trata-se de ver que a espiritualidade é um rasgo de todo ser humano. A religiosidade é uma opção de alguns. Às vezes  confundimos e colocamos tudo no mesmo saco, porém são coisas diferentes. A criança não fala quando nasce, mas tem a capacidade de falar. E falará a língua que sua mãe falar, a língua materna. Também nascemos com uma capacidade espiritual. Se você nasce em uma família católica os ritos, os símbolos, os textos irão desenvolver a espiritualidade em um marco católico.

Um centro educativo que se diz laico e não promove nenhuma religião pode fomentar a inteligência espiritual?
Sem dúvida. Não é necessário que, também no âmbito laical, a criança se pergunte sobre seu projeto vital, sobre o que irá fazer com sua vida? Como vai dar sentido a ela? Não é importante que admire a realidade, a natureza, a arte, o mar, as montanhas? Não é importante que tome distância de sua vida e examine seus comportamentos? A inteligência espiritual pode ser desenvolvida independentemente de ter um deus como referência. Há pessoas com uma grande inteligência espiritual que não são crentes. E há pessoas que são crentes, mas não desenvolveram uma inteligência espiritual. Se você está em um contexto laico, desenvolverá estas capacidades à margem da religião, porém também examinará sua vida e se perguntará sobre o que fazemos no mundo.

Então, desenvolver a inteligência espiritual é buscar respostas às interrogações que todo homem tem?
Claro. Todos os indivíduos têm uma série de perguntas de fundo: o que fazemos neste mundo, o que a morte nos proporciona. Estas perguntas já estão na criança. Quando morre o avô, não lhe interessa saber de que ele morreu, interessa-lhe saber para onde ele foi, que sentido tem a morte. O que há na criança é uma atividade espiritual, e busca respostas.

Quais são os benefícios que traz o desenvolvimento da inteligência espiritual?
Muitos. Uma pessoa que desenvolve a inteligência espiritual tem, para começar, três benefícios pelo menos. È profunda. Não gosta de banalidade, de frivolidade, não aceita determinadas mensagens banais. Também é muito reflexiva. Analisa seu comportamento. Não é instintiva e, se for, logo pensa. Reflete o que fez e o que vai fazer e isto a salva de naufrágios. Quando atua temerariamente, aloucadamente é muito provável que fracasse, que se prejudique, ou prejudique aos outros. Além disso, as pessoas espiritualmente inteligentes procuram ver o que nos une antes de ver o que nos diferencia. Elas se livram do fanatismo, do sectarismo e do fundamentalismo. São capazes de ver o que há de valioso no outro, apesar de ser de outra religião, de outro partido político. Uma pessoa espiritualmente inteligente vê o que une e isso é clave para construir comunidades.

Você disse que uma pessoa religiosa pode ter pouco desenvolvida a inteligência espiritual. Como se explica isso?
Às vezes há muita inércia, muita reprodução grupal, “como todos fazem, também eu faço”. Contudo, não me pergunto por que creio, em que creio. Há pessoas que são crédulas e há as que são crentes. A crédula engole tudo sem se perguntar, sem refletir.  Ao contrário uma pessoa espiritualmente inteligente faz perguntas, quer saber mais.

Em um país laico como Uruguai, como se pode conjugar o fomento da inteligência espiritual na educação pública?
Como estão fazendo países mais desenvolvidos do planeta que também são Estados laicais. Um Estado laico não significa que não leve em conta as necessidades espirituais de seus habitantes. A declaração universal dos direitos da criança da ONU (1989) diz que toda criança tem direito a uma educação integral, e neste integral se coloca sua dimensão espiritual. Se Uruguai assinou esta declaração ele se compromete a que as crianças uruguaias tenham uma educação integral, que inclui o espiritual. Uma educação da inteligência espiritual não significa uma educação confessional, nem significa catequese, significa educar esse potencial que há em todo ser humano.

Publicado em El Observador

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