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Lombardi: “Hoje, é impossível que a Igreja comunique, sem provocar contradições e conflitos na sociedade”

maio 28, 2016

P. Federico Lombardi, da Companhia de Jesus, diretor da Oficina de Imprensa da Santa Sé e porta voz do Santo Padre, atendeu amavelmente conversar com o portal espanhol Religião Digital.
Tive a honra de trabalhar com ele na Radio Vaticano desde 15 de janeiro de 1991, quando foi nomeado diretor de programas, até 1º de abril de 2003, quando me aposentei. Logo em seguida, no ano 2005, foi nomeado diretor geral da Radio Vaticano. Assumiu uma série de responsabilidades de enorme importância, pois além de dirigir a emissora do Papa, foi nomeado diretor do Centro Televisivo Vaticano, da Oficina de Imprensa da Santa Sé e porta voz do Santo Padre.
A partir de 1º de março deste ano de 2006, com o andamento da reorganização da recém-instituída Secretaria para a Comunicação, o P. Federico Lombardi tem a direção da Oficina de Imprensa do Vaticano e é porta voz do Santo Padre.

– P. Lombardi, a Companhia de Jesus esteve especialmente vinculada ao Rádio do Papa desde suas origens, quando Pio XI, em 12 de fevereiro de 1931, abençoou e inaugurou a emissora vaticana com a mensagem radiofônica ‘Qui arcano Dei’ dirigida a todas as pessoas e a cada criatura. Foi nomeado diretor da emissora do Papa o P. Giuseppe Gianfranceschi, jesuíta. Desde 1931 até hoje, com você, que foi o último diretor geral, a Rádio Vaticana esteve sob a égide dos jesuítas. Passaram 85 anos. Vocês sentem alguma nostalgia do passado, a satisfação da obra bem feita, ou as duas coisas juntamente?
R. – Podemos dizer que um pouco das duas, efetivamente, porque é uma obra à qual dediquei um terço de minha vida, 25 anos, e os jesuítas 85 anos, com muitas pessoas. Portanto, sentimos como algo muito importante em nosso serviço à Igreja e procuramos fazê-lo com todo o coração e, por isso mesmo nos sentimos unidos, ligados a esta fase da comunicação vaticana. Como todas as coisas que, em certo sentido, terminam ou mudam, deixa-nos o sentido de que as coisas passam. Mas não diria que é um fato que causa uma tristeza particular. Não é um drama. As coisas mudam, evoluem e é natural que venham tempos diferentes. Recordo-me de que faz pelo menos 10 anos, por ocasião da celebração do 75º aniversário da criação da Rádio, eu repetia “a Rádio não é, agora, uma rádio no sentido estrito da palavra”, porque a fizemos evoluir para um serviço de comunicação multimídia no qual se incluía certamente a rádio no sentido estrito da palavra, mas havia muitos serviços via internet com a publicação de textos, de imagens, de videonotícias etc. Todos éramos perfeitamente conscientes da mudança no mundo das comunicações, no sentido da convergência digital, a digitalização da convergência entre os diversos meios. Portanto, nos contexto dos diversos meios a serviço do Vaticano, da Santa Sé, era necessário atenta reflexão e uma reorganização porque estamos no tempo da ‘multimidialidade’. Passou o tempo em que os diversos meios, considerados individualmente, podiam trabalhar de maneira independente e autônoma uns dos outros, como vinha sendo feito durante decênios. A consciência de mudança da situação e também das fórmulas de organização e responsabilidades no campo da mídia era algo absolutamente claro. Eu estava plenamente consciente de que, por ocasião desta reforma, a figura do Diretor geral da Rádio Vaticana, de quem dependia um importante departamento redacional, um técnico e um administrativo, não tinha mais motivo para existir, porque estas diversas funções deveriam ser organizadas de maneira diferente. Por uma parte, uma atividade realizada por alguém durante muito tempo e com empenho leva-o a ter consciência de que passou, e por outra percebe que deixou uma herança que é recebida e continuada em contexto e fórmula diferentes, continuando a desenvolver a mesma missão, quero dizer, o serviço do Evangelho e da palavra do Santo Padre, o serviço do Santo Padre no mundo. Isto é o que realmente conta, a missão, não uma ou outra instituição que durante determinado tempo desenvolve uma tarefa concreta.
   
– Em 27 de junho de 2015 o Papa publicou a Carta apostólica em forma de “MOTU PROPRIO”:
 “O contexto atual da comunicação”. Com ela institui a Secretaria para a Comunicação. O Pontífice motiva a criação desta Secretaria apoiando-se precisamente na situação atual da comunicação, em que a presença e o desenvolvimento dos meios digitais e os fatores de convergência e interatividade requerem, são palavras do Papa, “um replanejamento do sistema de informação da Santa Sé e uma reorganização que, valorizando o que foi realizado na história do âmbito da comunicação da Sé Apostólica, proceda com firmeza para uma para uma integração e gestão unitária”.Que alcance tem a criação desta nova Secretaria na intenção reformadora do Papa, e no conjunto da comunicação da Igreja?
R. – Parece-me um fato muito natural, que corresponde ao tempo em que vivemos, à evolução das tecnologias, das linguagens da comunicação no mundo de hoje e, portanto, é normal, digamos, que todo este setor seja considerado em seu conjunto, coerentemente, não só uma instituição particular dedicada à imprensa, outra à internet, mas tudo em seu conjunto. Porém isto com uma visão muito clara da missão que é sempre a mesma, quer dizer, mudam os contextos comunicativos, mas, como não mudou a missão da Igreja no mundo, como não mudou a missão do Papado que é a de servir à Igreja universal em sua unidade, guiá-la em seu caminho, do mesmo modo não mudou a missão dos comunicadores, colaboradores do Papa que tentam simplesmente apoiar, difundir, fazer chegar a todos o conteúdo e o espírito das mensagens que o Papa e a Igreja de hoje têm para dar à humanidade. Isto pode ser feito com diversos meios. No passado às vezes se fazia escrevendo nos periódicos, outras vezes pelo rádio e outras com imagens. Hoje também se faz através dos vídeos sociais; digo ‘também’ porque não é somente com eles. Estes chegam a muitas pessoas e têm uma linguagem adequada à mentalidade dos jovens e das pessoas atualmente. Porém a missão é sempre a mesma. Provavelmente dentro de dez ou vinte anos serão usadas formas de comunicação que agora nem imaginamos. Quando eu comecei aqui, a internet estava dando os primeiros passos; praticamente não existia. Quando eu cheguei à Rádio Vaticana começavam a usar os primeiros computadores. Quem sabe o que acontecerá dentro de dez ou vinte anos! Podemos pensar que o que hoje estamos fazendo para renovar a comunicação dure, quem sabe, quantos decênios. É um passo em um caminho que certamente continuará, e que se movimenta muito rapidamente. Porém a missão é sempre a mesma: Anunciar Jesus Cristo, anunciar o serviço da Igreja, e fazê-lo colaborando com o Santo Padre, valorizando com sons, com palavras, com imagens, com mensagens o que ele diz, e fazer chegar até os confins do mundo, e possivelmente até os rincões mais escondidos da humanidade, inclusive até as regiões mais difíceis. Uma das coisas às quais me dediquei com muita paixão quando estava na Rádio, e que espero continue avançando mesmo que seja de modos e formas diferentes, é precisamente fazer chegar a países e regiões pobres do ponto de vista comunicativo, e que não têm grandes meios tecnológicos. Em tempo passado se chegava a eles através de um pequeno transistor muito simples. Agora, certamente haverá outro modo e outros meios. Mas nossa missão consiste em levar a todos esta palavra de esperança, de fé, de amor, de solidariedade que o Papa difunde no mundo seguindo o Evangelho de Jesus. Isto é o essencial. Pelo que diz respeito aos meios usados, às tecnologias, à linguagem pode haver mudança, mas a substância é a mesma.       

– Passando ao tema da comunicação propriamente dita há quem afirme que as principais consequências da moderna tecnologia digital que tanto impactam nossa vida são a dificuldade para nos comunicar e para nos relacionar com outras pessoas. Porém não podemos esquecer que Bento XVI falou da internet como      “lugar de encontro”. Em 2013, precisamente, falou de maneira explícita das redes sociais como “lugares” para a evangelização. Se for assim, como a Igreja pode superar os obstáculos de isolamento das pessoas, a virtualidade na relação interpessoal ante a intercomunicação real, a dificuldade no uso correto das redes sociais, e a compreensão de uma linguagem que aparece empobrecida, se não degradada, na transmissão eficaz da mensagem de Cristo? 
R. – Esta é uma pergunta que requer tratar de todos os problemas da comunicação do mundo de hoje e das tecnologias de comunicação. Não me atrevo a responder descendo a detalhes. Digo, simplesmente, que é necessário muito realismo no uso da comunicação. Há aspectos positivos no uso de determinadas tecnologias, como há evidentemente riscos e ambiguidades. Vemos lamentavelmente que no uso da internet e das novas tecnologias podem acontecer fenômenos de dependência psicológica das pessoas, ou de isolamento. Os jovens são, com frequência, prisioneiros do uso, mais do que do conteúdo veiculado.
Estes são problemas que provavelmente sempre existiram no uso ativo de um instrumento. Portanto, creio que a importância da vida da Igreja nos aspectos fundamentais que são o testemunho, a vida da comunidade em concreto etc. continuam sendo sempre fundamentais. É necessário que os comunicadores saibam fazer da comunicação um serviço à comunhão. Tem sido para mim a palavra inspiradora fundamental: comunicação para a comunhão. 
Depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, com a promulgação do Decreto “Inter Mirifica” e da Instrução Pastoral de Paulo VI “Communio et Progressio” que foi o documento que tentou traduzi-lo na prática, tornou-se mais claro, em um mundo como o nosso, que a comunicação é fundamental, e que cada dia traz maiores possibilidades. Porém é preciso utilizá-la com una finalidade muito clara, que é a de criar comunhão, criar diálogo entre as pessoas, capacidade de se entenderem, comunicar para o bem, comunicar para a solidariedade, não para a divisão entre as pessoas, para a contraposição, para a manipulação, para alcançar um determinado poder sobre o outro. Estas são coisas que podem parecer teóricas, mas na realidade são muito concretas.
O modo como eu falo, o tipo de imagens que proponho, manifestam diretamente qual é a intenção com que o faço, qual é minha atitude; o tom de minha voz, o modo como faço perguntas… pode criar diálogo ou pode criar divisão. Portanto, creio que o importante seja isto: os meios mudaram. Sei valorizar cada meio em particular, mas a atitude, o princípio, o motivo pelo qual eu comunico é conseguir estabelecer uma compreensão, um encontro. A expressão que o papa Francisco usa – a cultura do encontro – é muito importante. Quer dizer, comunicamos para criar comunhão na comunidade, para encontrar as pessoas, que cada um possa dar ao outro o melhor de si mesmo, e assim nos enriquecemos mutuamente. Não comunicamos para lutar uns contra os outros, para manipular os outros, ou para levá-los ao que é um interesse nosso pessoal.
Além disso sabemos que todos os meios podem ser ‘utilizados’. Vemos, por exemplo, como a propaganda trabalha, como outros trabalham e sabem utilizar diversas tecnologias, diversos modos de comunicar para fins concretos. Com frequência são fins marcados por interesses econômicos, de dominação, de condicionamento dos demais com uma maneira mais ou menos explícita. Nós, não. Comunicamos com uma finalidade muito diferente. Se isto é claro para nós e o vivemos, se manifestará na maneira como usamos estes instrumentos.

– No momento atual se percebe um impulso nesta evolução para aproximar o magistério da Igreja ao mundo das comunicações. O Santo Padre, em sua Mensagem para a XLVIII Jornada Mundial das Comunicações Sociais, de 2014, cujo tema foi: Comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro, nos faz uma pergunta central, pergunta que tem uma razão de ser: refere-se ao contato, ao encontro com o próximo; leva consigo o que Francisco denomina “proximidade” -conceito que mencionamos há pouco- uma vez que quem comunica se torna próximo. Neste contexto a pergunta do Papa é: como se pode pôr a comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro, já que, como afirma o Papa, o poder da comunicação está na proximidade?  Foram colocados em andamento recursos técnicos, programação digital, uso das redes sociais em apoio e consolidação da cultura do encontro?
R.- Sim. Creio que esta é a finalidade da comunicação da Igreja, precisamente como comunicação que tende a uma finalidade muito profunda, a de tocar o coração, ajudar a pessoa a se converter em membro de uma comunidade e entrar em relação com Deus, com as realidades espirituais através de um diálogo com o outro. O modo como se faz isto depende da capacidade, da criatividade. Dou um pequeno exemplo. Durante a viagem do Papa a Lesbos a televisão mostrou abundantemente o modo como o Papa se encontrava com os refugiados. Acontece o mesmo durante as audiências. Deixa-nos ver como o Papa se acerca aos enfermos, às crianças, as acaricia, as conforta…
Este é um modo de ajudar a cultura do encontro e da misericórdia, através de imagens concretas que tocam o coração, permitindo entrar em profundidade nas atitudes positivas. Por outro lado, o modo de comunicação verbal, como pode ser o do áudio da rádio ou através da comunicação escrita, isto se faz, naturalmente, de modos diferentes, não somente através de imagens visíveis, mas também de conceitos; através, por exemplo, do tom da voz ou da palavra há uma comunicação que pode ser muito inspiradora. Corresponde a cada um, conforme sua própria genialidade, se fazer compreender.
Porém, isto é necessário estar no coração. A comunicação -eu sempre disse a meus colaboradores- não é algo que expressa simplesmente conceitos frios de informação comunicados assepticamente. Em geral a comunicação em seu conjunto é algo que sai do coração e da mente de uma pessoa, e alcança seu objetivo quando chega à mente e ao coração de outra pessoa e os põe em movimento para que se aproximem e se encontrem. Agora bem, como cada um manifesta e usa a linguagem e o instrumento de comunicação para manifestar seu coração e sua identidade profunda e colocá-la à disposição do outro, isto, no meu modo de ver, não é una receita que possa ser descrita, é necessário vivê-la, experimenta-la. Creio que o interlocutor ou o ouvinte compreende perfeitamente o espírito com que se realiza a comunicação. Neste sentido a comunicação em boa parte tem a dimensão do testemunho já que o comunicador se comunica a si mesmo, pois cada um “dá o que tem, e não dá o que não tem”.

– Damos um passo atrás. Quarta feira, 29 de abril de 2009, você foi investido Doutor  Honoris Causa pela UPSA (Universidade Pontifícia de Salamanca). Foi o segundo dos Doutores ‘Honoris Causa’ da Faculdade de Comunicação. Em março de 2004, recebeu este título Monsenhor Antonio Montero Moreno, arcebispo emérito de Mérida – Badajoz. O que significou esta investidura para você, para a Rádio Vaticana, para a Oficina de Imprensa e, concretamente no âmbito dos Meios de Comunicação social da Igreja? Esta investidura teve um significado especial?
R.- Para mim significou um reconhecimento do serviço que estava fazendo, que fiz e faço para a Igreja. Deve ficar bem claro que eu nunca fui um teórico das comunicações sociais, nem um estudioso, nem professor de comunicações sociais. Tenho sido um trabalhador prático neste campo, fazendo uma experiência em campos diversos, porque antes, quando era jovem fui redator da Civiltà Cattolica durante doze anos; depois estive na Rádio Vaticana durante vinte e cinco anos; no Centro Televisivo doze anos; agora estou há dez anos na Oficina de Imprensa.
 Tive um gênero de comunicação bastante diferente. Digamos, portanto, que aprendi a comunicar na prática, não tanto como estudioso, mas enfrentando a realidade na perspectiva de uma missão. Vivi com empenho o serviço de comunicador porque acreditei na missão de serviço à Igreja e aos outros que me foi dada, não por uma paixão particular pelos meios de comunicação ou que me interessasse como campo de estudo ou de trabalho senão porque era um modo de servir, coerentemente com minha vocação religiosa e sacerdotal a serviço do Evangelho e da Igreja. Este título, pois, me parece que reconheceu o serviço prestado e que foi apreciado na Igreja, em modos e tempos diferentes.
Além disso me foi concedido no tempo do pontificado de Bento XVI, no qual certamente não faltaram dificuldades de comunicação deste pontificado com o mundo, o mundo circunstante. Portanto me pareceu o reconhecimento de um trabalho, de um esforço em aras do empenho, da transparência, da lealdade da comunicação em tempos difíceis da Igreja em sua relação com o mundo nesse momento. Isto é o que eu poderia dizer…

– Em seu discurso de agradecimento você realçou algumas questões de vital importância na atualidade da comunicação, como, por exemplo, que nos encontramos ante uma nova realidade, porque não se trata unicamente de difundir conteúdos, mas de interagir cada vez mais. A que você se refere? Como será possível conseguir esta ‘interação’ entre a Igreja e sua mensagem por um lado, e a sociedade civil receptora da mensagem, por outro?
R.- Parece-me que isto expressa claramente a realidade atual em que vivemos. Inclusive o fato de que na perspectiva da relação entre a Igreja e o mundo que agora vivemos  muito intensamente a partir do Concílio Vaticano II. Não nos concebemos como uma realidade externa da qual partem mensagens que caem do alto sobre um auditório que nos deve escutar e aprender sem dialogar conosco. Creio que devemos nos sentir parte de uma Igreja a caminho, um povo a caminho, junto com o grande caminho da humanidade que nos circunda. Nós servimos esta humanidade dialogando com ela, tentando expressar com palavras positivas o que temos a dizer e de maneira bem compreensível, ao mesmo tempo procurando escutar tudo que os outros dizem, de tal maneira que se estabeleça um diálogo. Aprofundar o conhecimento, a experiência religiosa e a fé que nós temos relacionadas às expectativas, às perguntas da humanidade a caminho.
Neste sentido parece-me que está claro que devemos viver em uma atitude de diálogo para poder traduzi-lo nas  linguagens  e nos modos de comunicar. Por exemplo, hoje tudo o que se refere às redes sociais é um modo de interagir que nós não tínhamos antes. Trabalhei muito, como você, em uma rádio que emitia de Roma para pessoas distantes que escutavam com agrado nosso serviço, mas que não estavam em condições de nos responder, de colocar questões nem de interagir à nossa mensagem. Hoje isto mudou completamente para diversas partes do mundo, não para todas. Portanto, o modo de estar a caminho junto com os demais, no mundo de hoje, tendo uma missão e um serviço espiritual muito claro, um dom muito precioso que compartilhar com os outros – insisto em compartilhar, – vivemos também com modos de comunicação que evoluem com o tempo. Talvez dentro de uns anos surjam outros que nós não temos presente hoje, não conhecemos.

– Outra coisa que você destacou em seu discurso foi o fato, constatado em mais de uma ocasião, de que é impossível a Igreja se comunicar sem provocar “contradições e conflitos” na sociedade atual. Sem dúvida estaria pensando em Bento XVI e seu discurso em Ratisbona, assim como em suas declarações na África sobre uso de preservativos. Surgiram mal-entendidos com o Papa Francisco?
R.- Não. Porém quero precisar que, quando alguém fala do fato de que se dão diferenças, contrastes na confrontação e na interação com o mundo, não me refiro somente a mal-entendidos, ou a ocasiões em que talvez se poderia comunicar o mesmo conceito de outra maneira. Refiro-me ao fato de que a Cruz de Jesus Cristo nem sempre é aceita por todos; não é a mensagem mais desejada por muitas pessoas. A mensagem cristã traz um sinal de contradição às vezes intrínseco, porque indica uma direção diferente de muitas tendências deste mundo, que são grandes tentações, grandes riscos que a humanidade corre.
Isto é principalmente o que eu entendia, e que se manifestou logo, inclusive em ocasiões em que a compreensão foi mais difícil precisamente porque e andava em uma direção diferente. Evidentemente podemos dar exemplos muito simples: os discursos de acolhida ou de solidariedade que o Papa Francisco está fazendo no que se refere aos imigrantes, porque diz respeito a pessoas em dificuldade em nossa sociedade, ou porque se refere a relações de justiça entre povos diferentes ou entre partes diversas da sociedade, são coisas que vão fortemente contra a corrente em relação a muitas posições, e suscitam reações negativas.
Parece-me que todos os papas, assim como todas as pessoas conscientes da mensagem cristã, não alimentam absolutamente a ilusão de agradar a todos, ou poder realizar sua missão sem descontentar e suscitar reações negativas. Todos entendem que isto seria um sinal negativo, quer dizer, que aguou ou se procurou somente um consenso, em lugar de anunciar o evangelho de Cristo com suas exigências.

– De que forma intervém o Papa, se é que intervém, nos meios de comunicação incluídos os digitais e redes sociais, em vista à ação apostólica de fortalecimento e “proximidade” da Igreja com o homem de hoje?
R.- O Papa Francisco tem uma capacidade particular de manifestar sua proximidade ao homem de hoje, com a linguagem e com os gestos. Isto se notou desde o começo de seu pontificado. É um dom, um carisma dele. Este dom é particularmente utilizado e valorizado por muitos meios de comunicação, de maneira especial pelas redes sociais do mundo de hoje que vivem e se alimentam precisamente de palavras ou de imagens concisas que impactam fortemente, que manifestam um gesto, uma expressão do rosto, una caricia, um abraço, as imagens com Instagram ou também de Twitter, com frases breves tomadas das mensagens do Papa. Têm enorme êxito. Com a palavra êxito quero dizer que se difundem natural e facilmente. Não é fruto de um estudo realizado ao redor de uma mesa, ou de um guru que ensinou o Papa. É o fruto de um dom, de um modo de comunicar muito seu: simples, concreto, espontâneo que, felizmente, se presta muito a este gênero de comunicação.

– Certamente você tem notícias das atividades das Igrejas locais no âmbito das comunicações sociais através das Conferências Episcopais, sobretudo em relação à evolução, progresso, aplicação e emprego no apostolado da tecnologia moderna dos meios digitais, seguindo as diretrizes do Papa expressadas nas Mensagens anuais para a Jornada das Comunicações Sociais. Sabemos que Bento XVI, na Mensagem do ano 2013, falava das redes sociais como “lugares” para a evangelização. O Papa Francisco, em 2016, disse que “os correios eletrônicos, as mensagens de texto, as redes sociais, os foros, podem ser formas de comunicação plenamente humanas”. E acrescenta: “Não é a tecnologia que determina se a Comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e sua capacidade de usar bem os meios à sua disposição”. Segundo suas notícias, o que estão fazendo neste campo as Igrejas locais e as diversas Conferências Episcopais, especialmente a Igreja Espanhola?
R.- Devo dizer-lhe que não me sinto capaz de responder a esta pergunta. Creio que tenho muito que fazer aqui em Roma no desenvolvimento de uma ampla tarefa diária. Naturalmente tentei realizar este Serviço, seja com a Rádio Vaticana, seja com o Centro Televisivo, seja com a Oficina de Imprensa, de tal maneira que fosse facilmente receptível e utilizável pelas Conferências Episcopais, e também pelos meios católicos e não católicos das diversas partes do mundo. Porque é evidente que a Igreja é uma grande comunidade na qual existem responsabilidades, e a comunicação eclesial se desenvolve nas diversas regiões e nas diversas línguas e culturas com a responsabilidade específica de parte de quem vive nelas.
Nós acompanhamos o serviço do Papa, um serviço de dimensão universal da Igreja e da comunicação. No governo da Igreja o Papa realiza um serviço, as Conferências Episcopais realizam outro, outro tem o bispo local, o pároco tem outro, e todos se integram evidentemente entre si, da mesma maneira o serviço que realizo está mais na parte correspondente ao serviço do Papa e menos no das Conferencias Episcopais. Porém escutamos sempre as exigências que nos chegam das Igrejas locais, e procuramos colocar à disposição delas a colaboração específica do conhecimento e do sentir universal da Igreja que pode se integrar com o conhecimento e a comunicação delas em nível local.
Limito-me a este princípio. Também a Rádio Vaticana, como você recordará, a concebemos não como para fazer chegar a comunicação do centro para todos e cada um dos ouvintes, mas para chegar do centro às  Rádios locais dos diversos países, com o fim de que elas possam relançar eficazmente os programas que lhes proporcionamos, para que entendam bem o que o Papa faz, e o que sucede no resto da Igreja universal. Porém, não tudo para o indivíduo. Não estamos em condições para isso e não o faremos.
Do mesmo modo, do que conheço, devo dizer que estou muito agradecido à Igreja espanhola. Ela me convidou algumas vezes, para estar em Salamanca, você se lembra, estive em Toledo, outras vezes estive na Conferência Episcopal por motivo de encontros com os comunicadores. Sempre o fiz com muito prazer. Mas não posso dizer que conheço a situação, porque nunca morei na Espanha. Não posso dizer que conheço a Igreja espanhola a ponto de emitir um juízo ou fazer uma apreciação. Quanto me é possível, realizo o serviço que posso fazer daqui. Tenho amigos muito queridos; uma pessoa que me ajudou muito é o atual Secretário Geral da Conferência Episcopal (se refere a D. José María Gil Tamayo), que morou comigo no tempo da renúncia de Bento XVI, da preparação para o sucessivo conclave, e em outras ocasiões. Na realidade me sinto muito próximo à Igreja na Espanha, mas não sou competente para avaliar o tema da comunicação.

– Você tem notícias da existência, na Espanha, de alguns setores religiosos que se manifestam fortemente politizados ou mostram tendências pouco ortodoxas tendo em conta a forte crise de fé e de religiosidade que se respira; o momento sociopolítico, econômico, de corrupção em muitos aspectos e o anticlericalismo que se está vivendo em nosso país?
R.- Digamos que uma dinâmica complexa como a da Igreja é sempre uma dinâmica que pode comportar tensões, momentos de grande comunhão e momentos de grande tensão. Por exemplo, eu vivi recentemente e muito intensamente os Sínodos. Neles se vivenciou uma dinâmica de profunda comunhão, de pesquisa comum dos bispos, mas também, às vezes, uma dinâmica de tensões e de posições diferentes quando tentavam se compreender entre si e orientar a uma síntese. Portanto, não é para ficar assombrado ante uma realidade que não sei se posso chamá-la de conflito, prefiro chamá-la de tensões internas, dinâmicas, e que é absolutamente natural. Porém, do meu ponto de vista como comunicador eclesial a Serviço do Papa e da Igreja universal, é uma missão e a tenho vivido, atuando sempre e fortemente na direção do diálogo e da comunhão. Para mim é prioritário, no modo de comunicar, procurar criar a possibilidade de encontrar uma união superior. E para tanto preciso às vezes anotar, devo verificar ou tenho que dizer que existem posições diversas, mas as considero como elementos de uma dinâmica que tende a uma unidade da comunidade em caminho. Estou convencido de que o serviço do Santo Padre à Igreja universal é um serviço para a unidade da Igreja. Neste sentido meu serviço como comunicador é ajudar a dinâmica da comunicação a encontrar o caminho das indicações com o espírito de uma comunidade a caminho.

– Quisera terminar esta entrevista falando de um sacerdote, um jesuíta que você conhece muito bem. Refiro-me a seu tio Ricardo Lombardi. Em 28 de março de 1908 nascía em Nápoles. Fundador do Movimento por um Mundo Melhor (MMM). Pregador famoso foi chamado na Itália “o microfone de Deus”; peregrino incansável viajou pelo mundo inteiro, até quase no fim de sua vida, que ocorreu em Rocca di Papa dia 14 de dezembro de 1979. O P. Ricardo Lombardi costumava introduzir seus discursos com o famoso “Jesus me disse”, muito eficaz no plano da comunicação de massas. Em 1938, sendo ainda estudante da Universidade Gregoriana começou a pregar, primeiro nas  universidades, depois nas praças das cidades. A partir do ano 1945 pregou nas praças e nos teatros italianos, instando o povo a uma regeneração moral. Que significou para você a figura de seu tio, especialmente em sua adolescência e juventude?
R.- Sendo sincero devo dizer que a figura de meu tio não teve um influxo direto em minha vocação religiosa e de jesuíta. Ele era uma pessoa muito famosa que realizava seu apostolado por todo o mundo, enquanto eu morava em Turim, no Piamonte, e praticamente tinha pouca oportunidade de encontrá-lo. Ao mesmo tempo dado que ele era uma pessoa da família, pois era irmão de meu pai, e fui educado no colégio dos jesuítas, quando pensei em se jesuíta, talvez tenha encontrado, por isso, um caminho mais fácil da parte de meus pais. Porém não houve um influxo direto de meu tio quando eu era pequeno. Minha vocação nasceu no âmbito da juventude católica e também do colégio dos jesuítas. Não diretamente com a influência da figura de meu tio. Mais adiante, quando me tornei religioso jesuíta, tive possibilidade de conhecê-lo, de encontrá-lo e de ter mais profundamente uma ideia de sua obra e de seu espírito. Apreciei muito sua profunda espiritualidade.
Antes você se referiu à frase de meu tio: “Jesus me disse”. Realmente não a dizia em todo momento. Isto significava que a relação pessoal com Jesus Cristo era uma parte fundamental de sua vida, uma vida de oração que indicava a Jesus como ponto de referência de sua vida pessoal e de sua visão do mundo.
Foi um homem de grande coragem e valentia propondo ao Papa Pio XII a necessidade de uma reforma da Igreja, de uma renovação, uma reforma em tantas direções que hoje podem nos parecer normal e em certo sentido realizadas. Porém na Igreja daquele momento provavelmente não o eram. O contexto, digamos assim, era muito clerical, mais rígido. Estamos em um momento anterior ao Concílio Vaticano II. Ele insistiu muitíssimo com Pio XII para que realizasse um Concílio. Pio XII não se atreveu a fazê-lo, mas seu sucessor sim. Vivia com muita intensidade o desejo de uma renovação apostólica missionária da Igreja, uma visão da vida comunitária da Igreja bastante renovada pelo Concílio, não dividida em categorias mas de um modo muito comunitário, participado. Por esta razão, em seu Movimento havia pessoas que expressavam as diversas realidades da Igreja: havia leigos, pessoas procedentes de diversas ordens religiosas… Todos juntos se esforçavam em levar adiante uma hipótese de renovação eclesial. Neste sentido foi um precursor de dimensões que agora definimos como espiritualidade de comunhão na Igreja, missionariedade, responsabilidade dos leigos. São mensagens que achamos totalmente normais, porém, então, era necessário empenhar-se com coragem para levá-las adiante e ele verdadeiramente o fez. É uma pessoa que admirei por sua valentia e seu empenho apostólico.

– Terminada a Segunda Guerra Mundial e antes das eleições de 1948, o P. Lombardi pregou em Milão a Cruzada da Bondade, exortando a população à conversão pessoal e coletiva, à reconciliação e à justiça social. Foi ameaçado de morte, por isso se viu obrigado a viajar com escolta. O período em que sua pregação foi mais visível corresponde aos anos compreendidos entre 1946 e 1948. Comumente se pensa, embora não haja estudos a propósito, que o P. Ricardo Lombardi, devido a suas extraordinárias qualidades oratórias e retóricas, contribuiu para angariar votos para a Democracia Cristã, precisamente nas eleições políticas de 1948, tão cruciais. Se isso aconteceu eu creio que se deveria considerar um efeito secundário, porque a finalidade de suas pregações era muito diferente. Houve alguma tentativa de implicar seu tio em questões políticas? Pode-se dizer que foi um momento perigoso?
R.- Não. Não se tratava de um problema de perigo pessoal. Era um perigo para a Itália. É necessário retornar àquela situação histórica, completamente diversa da atual. É difícil falar dela às pessoas que não a conhecem. No final da Segunda Guerra Mundial, Itália esteve muito perto de uma situação em que o partido comunista e as esquerdas tomassem o poder. Estamos em um tempo em que o Leste Europeu se encontrava sob a influência da União Soviética, e a metade de nosso continente estava perdendo a liberdade. A Igreja era perseguida, evidentemente, e lhe faltava também a liberdade.
Na Itália, naqueles anos, o debate era pela liberdade ou pela não liberdade. Era um debate entre o ser parte do mundo comunista ou parte do Ocidente. Sendo assim, muitas pessoas da Igreja, praticamente todos os católicos tomaram posição, e a tomaram desde o ponto de vista político, rechaçando, evidentemente, a possibilidade de se tornar parte do mundo submetido ao comunismo, porque se via o que estava sucedendo em outros países, e não era uma brincadeira. Inclusive nos limites da Itália, na Yugoslávia, houve muitos massacres. A situação era muito séria. Hoje é difícil entender isto, porque nos encontramos em uma situação muito, mais muito diferente. Naquele momento, não era somente Ricardo mas a Igreja italiana que se empenhou na defesa da liberdade democrática, vendo um grande perigo na tomada de posse do poder por parte do comunismo, e pensando evidentemente que fosse pelo bem comum de nosso país. Creio que todos os italianos, com o correr do tempo, desfrutaram do fato de não cairmos numa situação que seria muito difícil. Durante muitos anos a situação não foi muito feliz naqueles países que estiveram sob o comunismo.
É preciso dizer que, numa fase historicamente muito concreta e relativamente limitada, ele desempenhou verdadeiramente um papel no desenvolvimento daquelas eleições. Não era, porém, uma perspectiva do ponto de vista estritamente político, mas da defesa da liberdade, pelo bem comum da nação. Sua orientação foi sempre de caráter apostólico, religioso. Depois disso sua atividade sucessiva continuou se desenvolvendo neste sentido. Certamente com uma visão da atuação do cristão na sociedade, para torná-la mais justa, solidária, uma sociedade conforme com a doutrina social da Igreja.
Porém convém ter presente que aquele foi um momento histórico muito particular e característico. Naquela situação, se alguém não quisesse ficar submetido ao comunismo, teria que votar na Democracia Cristã. Não havia muitas opções.

– Padre Lombardi com esta pergunta damos por terminada a entrevista. Você, falando de seu tio e de sua obra, citou a palavra Movimento. Tenho um livro que me deu de presente uma das pessoas que trabalharam com seu tio, D. Federico Bellido López, sacerdote de Ávila; intitula-se Pio XII – Por um Mundo Melhor. O Movimento tinha precisamente este nome – Movimento por um Mundo Melhor. Qual é a situação atual do Movimento? Você intervém ou fez parte de alguma maneira da obra fundada por seu tio?   
R.- Não. Pessoalmente eu não estive implicado diretamente no Movimento. Digamos que conheço pessoas que trabalham nele, e em anos recentes vieram conversar comigo. Convidaram-me a me encontrar com eles, a participar em alguma de suas atividades. Mas nunca fui membro ativo do Movimento por um Mundo Melhor. Digamos que é um Movimento que foi crescendo com o tempo e que houve épocas nas quais realizou um grande serviço, sobretudo em alguns países onde se  difundiu abundantemente; em outros países é desconhecido ou não está presente, ou oferece uma pequena contribuição com uma equipe de pessoas.
Pelo que sei como alguém  que não tem nenhuma responsabilidade  nem está envolvida no  Movimento, no momento atual, nos últimos decênios tem desenvolvido um trabalho de animação e de formação para uma pastoral paroquial ou diocesana inspirada na construção da comunidade cristã de maneira muito participada e ativa. Portanto, as pessoas da equipe que participam do Mundo Melhor se colocam à disposição de uma paróquia ou de uma diocese para realizarem atividades de formação, encontros ou iniciativas, e que durante um período de tempo concreto se esforçam em realizar a pastoral da paróquia ou da diocese -digamos que são duas dimensões diferentes – pelo que a metodologia muda se for para a diocese ou  para a paróquia- ajudando a realizar um caminho com o fim de se tornarem comunitariamente mais vivas e participantes.
Por exemplo, na Colômbia, são várias as dioceses envolvidas neste caminho. Na Itália houve diocese, uma ou duas dioceses, mas são mais as paróquias que fazem o caminho. Em outros países estão levando a cabo atividades neste sentido. A coisa foi planejada no modo desejado e querido nos decênios recentes, e dotada de uma metodologia de formação como apoio às paróquias e às dioceses que desejariam ser ajudadas a se converterem em comunidades mais ativas e dinâmicas, e a sentir uma espiritualidade de comunhão e de renovação na linha do Concílio Vaticano II.

Muito obrigado, P. Lombardi, pelo tempo que tão generosamente concedeu à Religião Digital, e por esta esplêndida entrevista cuja leitura beneficiará nossos leitores, porque está repleta de sugestões e de orientações de grande valor em especial para os que nos dedicamos à comunicação social cristã, ou aos que trabalham no campo da pastoral. Sobretudo lhe agradeço a amabilidade que teve comigo; estive muito à vontade com você, como sempre aconteceu na Rádio Vaticana demonstrando um apreço especial por minha pessoa.
Ate outra oportunidade que espero seja logo. Muito agradecido.

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