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MEU CAMINHO DE SANTIAGO. Pílulas, por Alan Antich

setembro 7, 2016

A parte mais complicada, preparar a mochila: covardia, egoísmo, impaciência, indecisão, materialismo, culpabilidade, tenacidade, inveja, ressentimento, apego, comodidade, apatia, ego, mau humor, veemência, inconformismo.
Mexer com um pé. Fazer o mesmo com o outro. Criar um ritmo. Já é teu. Inconsciente. Constante. Teu. Desligar o celular.
Querer que passe algo. Não saber o que. Algo está passando. Avançar. Olhares. Pessoas. Atmosfera. Algo irá acontecer. Não poder dormir. Primeira noite. Ruídos. Roncos. Silêncio. Janela. Idiomas. Despertar-se. Um amigo, um abraço. Começar. Caminhar sozinho. Caminhar acompanhado. Sentir frio. Fruta. Ritmos. Uma campainha que soa porque uma pessoa está suspensa em uma corda. Um cemitério: sons. Pessoas sábias. Pessoas que passam a seu ritmo. Algo move por dentro. Sons, passos. Vacas pastando. Cães pastores. Cumprimentos anônimos. Água que jorra. Que canta. Que te chama. Paras e olhas. Olhas e ela te fala. Segues teu ritmo, e ela o seu. Avanças. Orar. Pedir. Agradecer. Receber sem pedir. Dormir com sono. Comer com fome. Gratidão. Um dilúvio sem avisar. Caminhar ensopado. Falar com a água. Seis horas sem evitar se molhar. Gente como tu. Um desenho. Horas de silêncio. À margem de um arroio alguém pinta.  Aquarelas. Caminhar sozinho. Caminhar acompanhado. Sentir-te vinculado. Não saber a que. Sempre palavras agradáveis. Respirar vidas. Sombras que avançam. Tua infância. Teus pais. Tua vida. Dar-te conta, de repente, de que há muitas coisas que deixaram de te interessar. Falar em inglês. Que não te façam perguntas. Ver Deus na natureza. Pensar como era a vida faz seiscentos anos. Sentir-te como um grão de areia. Serves, mas, se te ausentas não acontece nada. Que os pontos encaixem. A linguagem universal. Chegar a uma praça. Chorar. Cair no chão. Ver pernas e pés de pessoas. Confessar em inglês. [“Remember, you have time”]. Seguir buscando. Caminhar sozinho. Caminhar acompanhado. Um encontro inesperado. Comprar um io-iô. Ver-te com gente de outros mundos e outras línguas movimentando o io-iô. Sorrisos cúmplices. Poder ser tu. Ficar sério, calado e distante e que ninguém te pergunte nada. Liberdade. Compreensão. O fim do mundo. O mar. A eternidade. Bicicletas. Uma praia. Gaivotas. Sombras. Ritmos. Que tua única limitação seja o cansaço. Privilégio. Perder a noção do tempo olhando um cometa. Crianças que brincam. Que falam. Complicar-te a vida. Que valha a pena. Ligar o celular, querer jogá-lo. Conhecer tuas jaulas de ouro. Saber que tua mochila continuará carregando a mesma coisa. Aceitar e querer como teu. Polir. Minimizar preconceitos. Porém, aceitar-te. Uma sensação [ínfima e efêmera] de paz. Caminhar acompanhado. Caminhar sozinho. E é nesta contradição que se encontra a essência de minha vida.

Por Alan Antich

professor do colégio FI Gamarra (Málaga) e membro da equipe de Comunicação Espanha – Itália

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