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No dia de Finados

novembro 2, 2016

É doloroso quando as pessoas que amamos nos deixam, aflige-nos a morte inesperada e injusta, nos aterroriza ver como é possível, no século XX, negar a dignidade à morte e aos mortos em Gulag e Auschwitz, e nos deixa perplexos que em pleno século XXI o “mare nostrum”, mar de cultura e de intercâmbio humano, esteja se convertendo em um cemitério.
Humaniza-nos enterrar dignamente nossa gente, não jogar nos lixões “os restos mortais” das criaturas do Deus da Vida. A cultura iniciou, e começamos a ser humanos, quando pela primeira vez foi chorada a morte de um membro da espécie, quando a perda de um ser igual e próximo foi vivenciada com aflição e comoção. Celebrar o dia dos mortos é um ato de justiça para com eles. Também os mortos têm direitos e é bom que os reconheçamos. Vivemos em uma cultura que extingue o passado, cobre como uma nuvem o futuro, e se fica em um “presentismo” emocional vazio. Celebrar e recordar os que nos precederam é negar a última palavra à morte, é afirmar que a Vida é a palavra definitiva. Recordar as pessoas com quem convivemos e nos fizeram possível viver dá raízes e firmeza ao nosso viver cotidiano. Os mortos têm direito a que lhes agradeçamos sua vida.
Não querer olhar a morte de frente, ignorá-la, apagá-la de nossa vida cotidiana, fazê-la invisível é perder humanidade, é um autoengano a respeito da terrível condição humana, e se banaliza a própria vida que acaba não valendo nada. Quando a morte é diariamente consumida nos noticiários, só se ativam emotividades instantâneas que não levam a nada, ou, no máximo, à estéril resignação diante do que acontece.
Um dos mais breves versículos do Evangelho (Jo 11,35) nos diz: “E Jesus chorou”. Jesus está comovido e estremecido ante a morte de seu amigo Lázaro. Diante dela não cabe uma palavra vazia, e Jesus faz o mais humano que se pode fazer ante a morte que desgarra a amizade, que termina com a proximidade da pessoa querida, que nos prende ao estremecimento da solidão que invade, e do luto que entristece profundamente: chorar.
É Jesus de Nazaré que chora, e com estas lágrimas coloca sua dor e a morte de Lázaro nas entranhas do Compassivo. Há choro no dia de Finados, e celebramos na Eucaristia os que nos precederam. Jesus não rechaçou a morte, e nos leva a viver sem cinismos nem autoenganos. A morte está aí, mas as lágrimas de Jesus são lágrimas do Deus conosco que continua nos fortalecendo para viver lucidamente, e viver com a esperança de que a ultima palavra é do “Deus de Abraão, Isaac e Jacó que não é um Deus de mortos, mas de vivos, isto é, que para Ele todos estão vivos”. (Lc 20, 37-38).

Por Toni Catalá sj

Publicado em Centro Arrupe Valencia

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