Se formos responsáveis e sinceros conosco nos fará bem reconhecer, não sem dor, que abusamos de prepotência e orgulho histórico ao nos considerar melhores, e inclusive superiores aos demais.
‘Deus, eu vos agradeço porque não sou como os demais homens’, dizia o publicano que acreditava ser bom. O filho mais velho da parábola do Filho pródigo se considerava cumpridor e superior a seu irmão menor, porque gastou toda a sua herança que o levou à ruína. Este orgulho prepotente, não nos terá desviado das diretrizes do Senhor e da autêntica tradição bíblica, e eclesial?
Vejamos com detenção o que está sucedendo nesta grande crise do início do século XXI, em que os membros da Igreja estamos chamados a fazer realidade a profecia do teólogo Karl Rahner, sobre o século XXI, ‘ou será místico ou não será cristão’. Neste domingo, levados pela Palavra de Deus, nos é dada a oportunidade de fixar o olhar e contemplar a responsabilidade que temos, cada um de nós, na tarefa da renovação da fé. A Palavra do Senhor nos desperta, nos denuncia, nos põe de manifesto nossa prepotência e orgulho, e nos chama a viver no silêncio ativo das boas obras. Não importa calar, ao contrário, o caminho purgativo, que nos faz cparticipantes da liberdade e da redenção de Cristo, favorece a iluminação da vida, e, partindo de nosso pecado, nos translada à porta de entrada do grande silêncio. Nele está o lugar do reencontro com a paz, a sensatez evangélica, a humildade de vida e um vazio que se torna regenerador e curador.
A imagem do Redentor maltratado, calado, em atitude compassiva de perdão, nos devolve a mirada ao essencial, e nos afasta da luta pela inconsistente e avara absorção de ‘poderes’ que somente nos arruínam. ‘Jesus calava’. Impressiona o tenso silêncio do Senhor quando recrudesceu a opressão contra Ele. É saudável aprender estar ao lado de Jesus, recorrer seu silêncio no caminho da cruz, e com Ele recuperar sua confiança ilimitada no Pai. O mesmo silêncio é para nós uma oportunidade de conexão com a raiz, o coração da Trindade. Se nos adentrarmos nele, logo intuímos, rodeados por nossa névoa, as trilhas que nos conduzem à Fonte.
Isaías 58: “Invocarás o Senhor e ele te atenderá; pedirás socorro e ele dirá: ‘Eis-me aqui’. Se destruíres teus instrumentos de opressão, se acolheres de coração aberto o indigente e prestares todo o socorro ao necessitado, nascerá nas trevas a tua luz e tua vida obscura será como o meio-dia”. Parte de tua missão é construir, junto a teus irmãos, um mundo justo e fraterno. Oferece teu pão e tua paz; trabalha um sentido ético conectado ao Evangelho. Afasta-te do que não é. Somente assim te acercarás daquele que É, o Senhor, a quem pedes ajuda repetindo: “Eis-me aqui”. Ele te introduzirá em um itinerário de conversão. Se não desejares te converter, não continue, porque perderás teu tempo. Acerca-te ao umbral da porta, com o desejo de ‘voltar para Casa’. Afasta de ti a opressão e oferece ao faminto o que é teu. E brilharás nas trevas. O salmo 111: “Uma luz brilha nas trevas para quem é justo, caridoso e prestativo. Seu coração está seguro, nada teme. Permanece para sempre o bem que fez.”
Não temas. Paulo ensina com ternura o caminho, e hoje diz em 2ª Coríntios: “Quando fui a vossa cidade anunciar-vos o mistério de Deus, não recorri a uma linguagem elevada ou ao prestígio da sabedoria humana. Pois, entre vós, não julguei saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e este crucificado. Aliás, eu estive junto de vós, com fraqueza e receio, e muito temor”. Este é o caminho dos que amam o Senhor. Apresenta-te de novo, sem poder, deixando de lado o que não é. Apresenta-te com uma vida humilde e coerente, silencioso, apenas em companhia de Cristo crucificado, reconhecendo-te débil e temeroso. Não importa tua debilidade pelo contrário, se for necessário silencie as palavras e que tua vida fale. Confia nele que soube calar sem protestos estéreis.
Mateus 5: “Vós sois o sal da terra. Ora, se o sal se tornar insosso, com que salgaremos? Ele não servirá para mais nada, senão para ser jogado fora e ser pisado pelos homens. Vos sois a luz do mundo. Assim brilhe a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e louvem o vosso Pai que está nos céus”. Não estás cansado de ser pisoteado por tua inutilidade, por tua estéril prepotência ou teu orgulho? Ou porque o que ofereces deste modo não serve ao povo? Não é hora de entrares em teu interior em silêncio orante e humilde que te devolva ao essencial? Dentro tens a melhor notícia. Por caminhos novos tempera e ilumina este mundo, partido e desumanizado. Deixa para trás os impedimentos históricos que te paralisam e inutilizam. Tudo está por refazer. Estás chamado a entrar na profundidade da dor da história. E, como o grão de trigo, convidado a morrer ao que não és, e renascer ao que és neste Reino de Deus que cresce sem que percebas, e apesar de tua vida anestesiada. Une-te a Ele.
Antonio García Rubio, pároco do Pilar em Madrid