III DOMINGO DA PÁSCOA – 2017
“O que ides conversando pelo caminho?” No domingo passado propus a comunidade como o lugar do encontro com Jesus. Neste 3º Domingo da Páscoa proponho um novo território: a amizade. Ela favorece o crescimento da pessoa, e é veículo eficaz para a vivência e a transmissão da fé. O que conversas pelo caminho? Tem amigos com quem aprofundar teu segredo, as perguntas sobre a existência, sobre o mistério e o ser de Cristo?
Alguns vivem a comunicação e a amizade verdadeiras na solidão, no surdo silêncio interior. Outros andam brigados com quem os acompanha. Para a comunicação são necessários dois caminhantes. Oxalá eles se entendam! De que falam? Quais são os motivos de suas conversas? É importante ter um companheiro amigo com quem partilhar as grandes questões enquanto se caminha.
A solidão, como secreta escuta, se orienta ou para si mesmo ou para Deus. A companhia partilhada em amizade se faz para a pergunta, a pesquisa, a dúvida, a emoção, a transmissão da fé; para partilhar, sonhar, viver, escutar, valorizar, abrir portas; para o crescimento, para chorar, abraçar. A comunidade é o lugar da eclosão do dom da amizade. É o Corpo que se nos dá e que conformamos a golpes de dor e doação, espera e solidariedade. É a plenitude do encontro com o Ressuscitado, com a grande assembleia de irmãos.
O poder dos grupos e as seitas debatem o modo de libertar os povos. Os amigos podem se deixar imbuir por este espírito de poder: “Nós esperávamos que ele fosse libertar Israel”. Esse espírito acaba gerando ansiedade, domínio, e no final, violência e decepção. A paixão de Cristo é um ícone do que pode fazer uma seita. Os dois amigos de Emaús são a expressão, após a derrota, da decepção dos que sonham com o poder.
Contudo, existe algo que transforma, dá o enfoque e a orientação a tudo; é dom e graça; é recuperação da naturalidade, beleza, simplicidade, alegria, humildade; é luz e frescor na manhã da Páscoa. Esse algo é o “Encontro com Jesus”. Sem perceber ele se mete em tua conversa e vai mudando tua decepção. Em quê? Em um formigamento que inquieta, em sal que salga, em luz que ilumina, em fermento que eleva, em harmonia que tranquiliza e pacífica, em determinação que renova, liberta e dá asas de liberdade. “Não estava ardendo nosso coração quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?”
O poder da amizade une as almas e as vidas, os infortúnios e as opressões. Começa unindo lágrimas partilhadas que fecundam a vida quebrada na esperança. A amizade é um presente que não tem tamanho, abre de par em par as portas do belo, do santo, do bom, do nobre. E, aí, aparece o Amigo inesperado, surpreendente, a quem se pede que fique, que permaneça. “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!”.
Profundo Mistério! Mistério que abre os olhos e ilumina. Mistério que faz frutificar a terra, como a chuva de primavera; reveste-a de gala e dá os frutos que alimentam a ti e aos amigos. E te dá o toque de graça do Amado, de seu Mistério. Abre os olhos dos discípulos: “Nisso os olhos dos discípulos se abriram e o reconheceram”. Oh dom da amizade, lugar de encontro, sementeira de vidas dignas e curadas!
“Porém desapareceu da frente deles.” Os dois amigos ficaram com o gosto do pão partido, do alento da alma, de novos sonhos; com a emoção sem medida de percorrer os caminhos e sussurrar aos pobres e aos caminhantes seus amigos, a Boa Notícia. Assim começou a se expandir o dom até o presente, sempre através da amizade, do tu a tu, do sussurro. A semente de amor que traz o Vento, a Boa Nova: RESSUSCITADO! Esta é tua missão.
Recupera a amizade que faz romper teu individualismo; que abre tua porta à fraternidade; que te dá acesso ao Corpo; que é terapia que te cura. A amizade que te abre ao mistério da fé, que te faz voar, que te levanta e liberta. Os dois de Emaús, quando desvelaram a amizade de Jesus saíram correndo, exaltados no amor e com uma nova consciência; “contaram o que tinha acontecido no caminho, e como o tinham reconhecido ao partir o pão.”
Esta bela história de amizade e transformação vem da presença do Amigo que a fecunda. É saudável que te perguntes: O que conversas com teu amigo pelo caminho? Qual é vossa conversa? Cultivas amigos que sejam profundos, que tenham conversas iluminadas e apaixonantes? Recupera o gosto pelos amigos. Abre-te ao dom da amizade. É a porta de entrada. Entra pela fé no coração de teus irmãos, dos que esperam o santo Evangelho, na exclusão, na fragmentação ou na decepção. A Palavra te devolve vida, e te põe no caminho de volta à Casa do Pai.
Termino com uma pequena história: A madre Mariví, nova abadessa do Real Mosteiro Cisterciense de Santa Maria da Caridade de Tulebras, a quem acompanhamos em sua benção sábado passado, é uma mulher cheia da ternura de Deus, uma mãe acolhedora de cada fragilidade. Casou-se jovem. Seu marido morreu. Teve uma filha. Também morreu. Procurou em seu vazio e acabou encontrando Cristo em sua oração, na comunidade e na amizade; indagou qual seria o modo mais autêntico para entregar a vida a Jesus. Trabalhou na Amazônia durante quatro sofridos meses. Fez experiências monásticas. Ambos estados de vida, monástico e missionário, lhe atraiam. Em espírito de amizade e de oração, entendeu que o Espírito a levava a Tulebras. Desde então, nesse Mosteiro busca Deus e serve suas irmãs. Ainda precisou dedicar anos ao cuidado de sua mãe anciã. Nunca pensou ser abadessa. Agora suas irmãs a surpreenderam elegendo-a. A comunidade sempre sai ganhando quando decide, e o faz como uma aprendizagem de amor e de amizade. São milhares as histórias comunitárias e de amizade que acontecem na vida da Igreja.
Tu, irmão, aproveita tuas relações de amizade e tua vida comunitária para crescer e criar comunidades e amizades autênticas e fraternas, de serviço e de louvor.