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“Anunciai”. Em direção à trans-formação na Missão

setembro 19, 2016

Depois das cartas “Alegrai-vos”, “Escrutai” e “Contemplai”, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica nos presenteia com uma nova carta, por ocasião da conclusão do ano da vida consagrada: “Anunciai”. Estas quatro cartas nos oferecem uma inteligente e inspirada sequencia: a vocação à alegria, o discernimento necessário, o caminho da beleza (filocalia) e a Missão. De todas elas emerge a imagem holística de uma vida consagrada configurada por nossa grande tradição e pelos sinais do Espírito em nosso tempo.
A carta “Anunciai” inicia com um Prólogo que tenta nos conscientizar sobre o mundo em que vivemos, que também afeta os consagrados e que desafia nosso anúncio do Evangelho e nossa mensagem sobre Deus: a sociedade líquida e globalizada, a falta de sentido, o consumismo competitivo, o desencanto.
Está dividida em três partes: 1) Até os confins da terra; 2) Igreja em saída; 3) Fora da porta. Cada parte está subdividida em um primeiro capítulo que se intitula “À escuta” onde são oferecidas chaves de “lectio divina” que inspiram o ministério de anúncio, um chamado para a vida consagrada; e um segundo capítulo que oferece chaves de transformação e atuação para uma vida consagrada “em missão”.
A primeira parte “Até os confins da terra” (nn. 10-32) nos recorda que somos enviados pelo Senhor Ressuscitado a todos os povos e etnias da terra e até o final dos tempos. Diz que esse anúncio será sempre conduzido pelo Espírito da verdade através de caminhos desconhecidos, e se adaptará aos diferentes contextos culturais, e responderá às urgências de paz, reconciliação, cura, inclusão e integração social. Esta missão é o fundamento de nossa vocação e nos pede colocar-nos na vanguarda. A realização de nossa missão pede de nós – seguindo o estilo do Mestre – ir onde estão as pessoas, em uma dinâmica de ver, de sentir compaixão e agir (nn 14-32). Esta missão será cumprida adequadamente quando o Espírito Santo – guia do movimento do amor entre o céu e a terra – nos conceder sermos “contemplativos na missão”, “servidores da Palavra” – a partir do testemunho, da liturgia, da diaconia, expressão de uma Igreja-mãe que ama e gera -, Mebasser ou mensageiros de alegres notícias, unidos em comunhão e perseverantes, conscientes de que a comunidade é a primeira estrutura de evangelização.
A segunda parte “Igreja em saída” (nn. 33-55) nos evoca as dificuldades que Paulo e seus companheiros encontraram em seu ministério evangelizador, e como o Espírito os levou para periferias desconhecidas, para culturas diferentes, e lhes impediu orientar sua ação a determinados lugares. Depois, a carta nos oferece uma releitura da “Evangelii Gaudium” para a vida consagrada atual. Reafirma o protagonismo do Espírito Santo na dança da missão. Situa a missão da vida consagrada na Igreja, em sua dimensão de testemunho. Reconhece a debilidade própria dos evangelizadores, mas também como se manifesta neles a força de Deus. O Espírito não nos permite deixar as coisas como estão e nos impulsiona a nos deixarmos conduzir pelos quatro sábios princípios da “Evangelii Gaudium”. Somente uma vida consagrada “evangelizadora com espírito” e capaz de suscitar novas perguntas, poderá cumprir sua missão.
A terceira parte “Fora da porta” (nn. 56-91) começa com uma página dos Atos dos Apóstolos (At.16,1-40) na qual o Espírito abre novos horizontes para a missão de Paulo e seus companheiros: a evangelização do continente europeu, que se inicia em Filipos. Eles se encontram com pessoas fora da porta, às margens do rio, ou próximo aos mananciais para as abluções rituais; ali umas mulheres –especialmente Lidia – acolhem a mensagem e se batizam. A falta de instituições estáveis estimula a fantasia missionária e começam “fora da porta às margens do rio” (At. 16,13), símbolo de todas as saídas de nossas origens fundacionais na vida consagrada.
Esta terceira parte é um chamado à inovação no âmbito da missão. Fala da necessidade de adquirir um “pensamento dinâmico – gerador e transformador-”, de nos situarmos em postos de vanguarda ante os desafios da pobreza, da necessidade de um novo humanismo, da não violência e da família. A carta presta atenção especial às fronteiras educativas e a suas periferias culturais, lugares ecumênicos e inter-religiosos, lugares do Espírito. O tempo da missão é o tempo dos sonhos que tantas vezes nos parecem impossíveis.
Deste modo, a carta “Anunciai” nos convida a entrar em processos de transformação em nossa forma de entender a missão (missio Dei, protagonismo do Espírito, Mebasser) e de configurá-la de forma criativa, inovadora bem arraigados na “Escuta”, em nossos relatos fundacionais.
A carta – em sua riqueza – não pode abordar toda a riqueza da missão. Por isso se enriquece quando evocamos o que o Congresso internacional da Vida Consagrada, em 2004, nos dizia sobre a vida consagrada “samaritana” (“Vá e faça o mesmo” – um autêntico mandato missionário! – tão presente nos Institutos dedicados à saúde, à recuperação terapêutica), ou quando nos sentimos interpelados não somente pela sociedade ocidental, mas pelos povos e culturas da Oceania, da Ásia, da África, da América onde as sementes do Verbo e do Espírito nos apresentam outros desafios e nos abrem horizontes insuspeitados.
A carta da CIVCSVA juntamente com as três precedentes, é um presente para a vida consagrada de nosso tempo. Todas elas, em seu conjunto, nos apresentam o rosto da vida consagrada do século XXI com rasgos belos, dinâmicos, inovadores, sem por isso deixarem de ser profundamente evangélicos e proféticos. Sua leitura pausada e meditada ajudará a impregnar-nos do que há de melhor do magistério da Igreja contemporânea, e a vislumbrar – sob a inspiração do Espírito – novos horizontes e acender em nós um novo ardor.

Por José Cristo Rey García Paredes cmf

Publicado em Religión Digital

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