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Uma cadeia sem policiais, gerenciada pelos presos e onde os internos pedem perdão

outubro 6, 2016

Uma cadeia sem policiais, gerenciada pelos próprios presos, sem motins, com uma taxa de reincidência baixíssima e onde os internos se regeneram e pedem perdão. São os centros APAC que nasceram no Brasil e estão sendo implantados em todo o mundo.
Em uma cadeia do Brasil há um preso que não se penteia. Vai ao refeitório, ao pátio, anda pelos corredores despenteado e desalinhado. Quando lhe perguntam o motivo, responde com frieza: ”Não olho no espelho porque o que se reflete nele é um monstro”. O desprezo pelos delitos cometidos muitas vezes leva ao desprezo de si mesmo, e essa falta de amor leva, depois, a cometer mais delitos… Esta espiral é bem conhecida nos centros penitenciários regidos pela Associação de Proteção e Assistência aos condenados (APAC), e por isso oferecem aos presos um processo de recuperação total que os ajude a resgatar o que eles são: pessoas feridas que, em um determinado momento de seu caminho erraram, e acabaram na cadeia.
Os centros APAC não são como as demais cadeias: em seu interior não há policiais nem funcionários da prisão: são os próprios presos que gerenciam todo o seu funcionamento. Os que cumprem a condenação não são chamados presos, nem internos, mas recuperandos, para acentuar que acima de tudo são pessoas em vias de recuperação. – Ninguém é irrecuperável – é o lema da APAC. Não há uniformes nem números, e cada recuperando é chamado por seu nome.
Com isso se pretende mudar a mentalidade de uma sociedade que insiste em que aquele que faz paga, e que considera o castigo como a melhor forma alguém abandonar o mau caminho. Nos centros APAC não se procura uma redenção sem esforço, mas, que a vida na prisão conduza de verdade à confiança e à disciplina, a uma recuperação total do ser humano em todas as suas dimensões.

Ninguém está sozinho
Em consonância com a lei brasileira para todos os centros penitenciários, os da APAC têm três pavilhões: regime fechado, regime semiaberto e aberto, mas o que existe dentro é completamente diferente da imagem habitual de uma cadeia latino-americana superlotada. São centros pequenos com 200 detentos no máximo, próximos os seus famílias e que inclusive celebram com elas o dia dos pais, das mães, o Natal. Além disso, cada domingo podem receber visitas sem que os familiares tenham que passar por revistas humilhantes, nem esperar em longas filas.
Dentro, os próprios recuperandos organizam a vida. Como não há funcionários penitenciários distribuem entre si as tarefas administrativas, a limpeza, a cozinha e a manutenção do centro. Em cada cela há um interno encarregado da ordem; e cada centro dispõe de um Conselho de sinceridade e solidariedade ao qual a comunidade dos recuperandos recorre para tratar dos problemas e inquietações comuns, e buscar soluções adequadas. Além disso, uma das bases de funcionamento tem por lema: -o recuperando ajuda o recuperando-, isto é, dentro da comunidade prisional se fomenta o apoio de uns aos outros de modo que ninguém se sinta sozinho.

Sem motins, nem fugas, nem reincidências
Os dados falam por si mesmos: a taxa de reincidência dos internos que cumprem pena em um destes centros é de 10-15%, uma cifra excepcional para o Brasil. Nunca organizaram internamente algum motim, e em toda a história da APAC foram registradas apenas duas fugas. Os custos por preso se reduzem a menos de um terço do que é gasto em uma cadeia normal. Os resultados são tão espetaculares que cada vez mais juízes decidem mandar as pessoas que delinquem a um destes centros para buscar sua recuperação, em vez de enviá-los a uma cadeia tradicional que muitas vezes é uma escola de delinquência.
Atualmente há 50 centros penitenciários da APAC no Brasil – onde nasceu o projeto – e 23 distribuídos em diferentes países do mundo. Uma amostra do interesse que este projeto está suscitando é a exposição “Do amor ninguém, foge” apresentada no último Encontro de Rímini celebrado em agosto.
O perdão que se dá e se recebe.
No centro os internos estudam e trabalham como acontece em outras cadeias, para ajudar em sua formação e autoestima, mas, também se cuida de maneira especial da dimensão espiritual. Cada recuperando é convidado a uma Jornada de libertação com Cristo: quatro dias de convivência com testemunhos, cantos, leituras e debates, que oferecem a eles a possibilidade de “fazer experiência de Cristo”, segundo dizem na APAC, como parte de seu processo de reconstrução integral.
Neste caminho para a cura têm especial importância os encontros de justiça restaurativa entre os internos e as vítimas de seus delitos. Estes encontros possibilitam às vítimas desabafarem e contar ao recuperando seu sofrimento, e ao mesmo tempo eles tomam consciência da dor causada e explicam a suas vítimas a história de sua vida, que é o que comumente os levou a delinquir. Muitas vezes o resultado é o perdão, um perdão dado e recebido, e a cura de ambas as biografias.  
 
“Confiamos em você”
Walter, um condenado por assassinato, violento e desadaptado, fez este percurso. Um juiz enviou-o a um centro APAC. Quando ingressou ninguém apostava por sua recuperação; mostrava-se desconfiado e hostil, mas pouco a pouco foi comprovando que era verdade o que lhe disseram os companheiros quando entrou: “nós confiamos em você”. Todos se surpreenderam no dia em que chegou ao centro, proveniente de outra cadeia, um jovem condenado por abusos sexuais a menores. As leis das cadeias são duras quando se trata deste delito, e o jovem havia apanhado de tal modo, na outra cadeia, que estava irreconhecível. Não cuidava de sua saúde, nem da higiene pessoal e ninguém se aproximava dele. Porém, um dia, na enfermaria, seus companheiros descobriram Walter curando as feridas daquele rapaz. As mãos que antes haviam assassinado agora cuidavam daquele corpo torturado.
Porque este é um lugar onde os monstros se penteiam.
E se curam.

Por Juan Luis Vázquez Díaz-Mayordomo

Publicado em Alfa y Omega. Entre e leia quem é o fundador

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