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Uma carta para você

junho 21, 2017

Dia 20 foi o dia do Refugiado. Muitas entidades de Igreja se fizeram presentes e ativas nesse dia. Resgato um parágrafo da Rede eclesial “Migrantes com direitos”. Mulheres, homens e crianças de todo o mundo veem-se obrigados a abandonar seus lares por causa da violência, da perseguição, dos desastres naturais e dos provocados pelo homem, da fome e de muitos outros fatores. Seu desejo de escapar do sofrimento é mais forte do que as barreiras que se levantam bloqueando seu caminho. A oposição de alguns países à migração dos refugiados forçados não poderá impedir que as pessoas que passam por sofrimento insuportável abandonem seus lares.
Ao relê-lo à noite, recordei como em um retrovisor, alguns fatos entre muitos outros:
2017. Encontram um clandestino emigrante morto em um barco de Costa do Marfim atracado em A Pobra.
2016. Jovens Imigrantes em Melilha se enfiam em material metálico reciclável de containers para passar à Península (como alguns os tratam quase como lixo suponho que eles acreditariam que passariam despercebidos).
2014. Um homem foi encontrado morto no telhado de uma loja de Londres. Era um emigrante escondido no trem de pouso de um avião que vinha da África do Sul (13.000 quilômetros!) e caiu quando o avião estava prestes a aterrissar em Heathrow. Nessa situação sabemos da falta de oxigênio e das temperaturas abaixo de zero. Deste homem não sabemos o nome.
Etc etc
Continuo olhando para trás – 1999 – “apenas” há quinze anos. Um fato parecido. Em Bruxelas. Deste fato sabemos o nome e a idade. Chamavam-se Yaguine Koita de 14 anos e Fodé Tounkara de 15 anos. Estudantes da Guiné-Conacri. Morreram congelados no trem de pouso de um avião que os levava, clandestinos, ao coração da Europa. Embora estivessem muito abrigados não puderam resistir às baixíssimas temperaturas (entre 40 e 55 graus abaixo de zero). Foram os autores de uma carta admirável pela simplicidade e clarividência, uma autêntica bofetada aos intolerantes. Foi encontrada quando abriram sua mão apertada contra o coração.
Este é o texto:
“Excelências, Senhores membros e responsáveis pela Europa. Temos o honroso prazer e a grande confiança em lhes escrever esta carta para lhes falar sobre o objetivo de nossa viagem e do sofrimento que padecemos as crianças e os jovens da África. Porém, antes de tudo, lhes apresentamos nossos melhores cumprimentos, respeitosos com a vida. Com esta finalidade sejam nosso apoio e nossa ajuda. Os senhores são para nós na África as pessoas a quem pedimos socorro.
Suplicamos-lhes, por amor a seu continente, pelo sentimento que os senhores têm para com nosso povo e, sobretudo, pela afinidade e amor que têm por seus filhos a quem amam muito. Ainda mais, pelo amor e temor a seu criador, Deus todo poderoso que lhes deu boas experiências, riquezas e poderes para bem construir e organizar seu continente tornando-o o mais belo e admirável entre todos.
Senhores membros responsáveis pela Europa, gritamos à sua solidariedade e à sua bondade para socorrer a África. Ajudem-nos, sofremos enormemente na África, temos problemas e carências na questão dos direitos da criança”.

Voltei a ler a carta e a comentá-la com especialistas em migrações de todo o mundo em Roma. Porque é uma carta que atravessa o tempo e provoca.
Estava em um Seminário sobre migrantes, refugiados e vítimas do tráfego humano para o qual convidaram o Presidente espanhol da Comissão de Migrações e ao servidor, juntamente com 36 delegados de 21 Conferências Episcopais, representantes da Secretaria de Estado e das Missões em Nova York e Genebra, e com o setor de Migrantes e Refugiados do Dicastério instituído pelo Papa Francisco.
Foi dada especial importância à preparação dos chamados ‘Global Compacts 2018′. Dois acordos globais que a comunidade política internacional propõe para o ano de 2018 para ter critérios básicos para uma migração internacional segura, regular e responsável.

A Nota de Migrantes com Direitos é um eco desses acordos:
Com o desenvolvimento de novos marcos internacionais como o Acordo Mundial para os refugiados e os migrantes em 2018, os estados não somente deverão garantir uma forma mais eficaz de compartilhar a responsabilidade ante os grandes movimentos migratórios, como deverão também assumir a oportunidade de reconhecer e destacar a importante colaboração dos refugiados e migrantes às comunidades que os acolhem, para converter a verdadeira solidariedade em uma experiência real para quem busca proteção e para quem a oferece cumprindo suas obrigações.
Bem próxima a isto são as palavras de nossos bispos dirigidas faz uns meses: “Desejamos que se cumpram, quanto antes, as propostas que nosso Governo assumiu na acolhida dos migrantes, convidando-o a uma mais ampla generosidade nelas. A Igreja, em um trabalho subsidiário ao do Estado, está disposta a colaborar sempre dando respostas integrais para responder a estes fluxos de migrantes e refugiados”.
A Igreja quer falar de maneira insistente nestes anos (de novo!). Insistir profeticamente ante Governos e Estados.
Oxalá a denúncia profética dê consistência de maneira simples como o fizeram aqueles adolescentes nessa carta que levei à Audiência do Papa.
Queria que a abençoasse.
E ele a abençoou.

Por José Luis Pinilla sj

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