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Viver na fábrica, na República Centro-Africana

outubro 26, 2016

A umas duas  horas de Bambari, segunda cidade mais importante da República Centro-Africana, um grupo de 5000 pessoas, trabalhadores de uma fábrica de açúcar, ocuparam a fábrica com medo de perder a vida… O mais curioso de tudo isto é que suas casas estão a menos de 2 quilômetros, mas ninguém se atreve a voltar. Eles saíram de casa faz uns meses fugindo de facões e casas em chamas. Atrás dos muros da fábrica, crianças, jovens e adultos se abrigam em choças feitas com folhas de cana de açúcar, porque a ideia de voltar os aterroriza. Mesmo com o risco de que a fábrica, ao estar ocupada, não possa iniciar a colheita e todos tenham que perder seus trabalhos… ninguém pensa voltar para casa.
O retorno ao colégio estava previsto para dentro de duas semanas, e tudo está preparado: os pais que acreditam na importância da educação para seus filhos, as crianças que querem voltar às aulas; os mestres remunerados conjuntamente pelo governo, pela fábrica e pelas ONGs; as salas que foram recentemente reabilitadas… Porém, a apenas 300 metros da escola, alguém se erigiu em general e aponta com uma Kalashnikov dizendo com palavras menos bonitas que as minhas, que ninguém se mova de onde está. E as famílias nos perguntam: como enviaremos nossas crianças à escola?
Hoje, antes de viajar de volta à capital do país, escutávamos que a um quilômetro de distância da fábrica, em Ngakobo, atacaram outro lugar de refugiados. Quem se atreve a voltar à casa neste panorama?  
A violência se apoderou da República Centro-Africana e fica difícil pensar em soluções. O país é um barril de pólvora que qualquer pequena chispa poderá se converter em uma espiral de violência. Não importa se é que me roubaram um rebanho de vacas, ou que em uma luta alguém, de não sei qual grupo, saiu ferido. As consequências são sempre desproporcionais: aldeias incendiadas situadas em um raio de 40 quilômetros ao redor, comunidades inteiras assassinadas a golpe de facão, e o ódio e o medo que se instalam nos corações de uns e de outros. Não importa que seja “seleka” ou “anti-balaka” ou qualquer uma das variantes de cada grupo. Tentativas de acordos de paz não se tornam realidade, e o governo não tem capacidade para impor a ordem.
Resta para nossas crianças continuar alguma aprendizagem em uma escola improvisada e estropiada.  Porque, aqui, quem reina é a violência… e então não há lugar para mais nada: nem educação, nem desenvolvimento, nem paz, nem vida… E fica uma pergunta sem resposta em meu coração: como fazer crescer a esperança daqueles que simplesmente vivem em uma fábrica?

República Centroafricana, 15 de outubro de 2016
Nadezhna Castellano. Serviço Jesuita a Refugiados. CVX em Salamanca

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