“Os rouxinóis somente se dedicam a cantar para nos alegrar. Não estragam os frutos dos pomares, não fazem ninhos nos campos de milho, não fazem outra coisa senão derramar seu coração. Por isso é pecado matar um rouxinol”. Harper Lee, Pulitzer em 1961
Há pessoas que nunca deveriam morrer. Isabel teria que ser imortal. Os anjos que dedicam sua vida para melhorar o mundo, começando pelos lugares mais castigados, deveriam ser eternos. Como o rouxinol de Harper Lee, a missionária catalã Isabel Solá derramava seu coração àqueles que a sociedade cosmopolita converte em números. Eram mais de 300. Crianças e adultos haitianos que o terremoto do país caribenho, em 2010, deixou mutilados. Mais de 300 para quem a religiosa Solá fabricou pernas. Com suas mãos e um pouco de gesso e plástico montava próteses em sua oficina nos arredores de Porto Príncipe. Poder contar sua história é um presente para qualquer periodista. Tem luz e drama. O segundo ocorreu no país onde o triunfo da morte é sufocante. Nós soubemos no dia 2 de setembro quando duas balas cortaram as asas da missionária. Estava no meio de um congestionamento conduzindo seu velho carro branco; dois homens se aproximaram da janela do carro e lhe deram dois tiros. Depois roubaram sua bolsa e desapareceram entre a multidão de veículos. Isabel morreu na hora. “Com certeza perdoou seus assassinos. Isa era assim”, recorda sua amiga Marta Guitart, secretária geral da congregação das religiosas de Jesus Maria, à qual pertencia a irmã de 51 anos, a caçula de seis irmãos criados em uma família bem constituída de Barcelona.
Poder contar sua história agora é um fracasso. É injusto dar voz a uma heroína que não a tem mais. A primeira vez que falou em Haiti foi em 2008. Antes o fez durante dez anos em outro país castigado, a Guiné Equatorial na África. Era uma dos 13 000 missionários espanhóis espalhados pelo mundo. Na Guiné enfrentou com sua palavra o regime de Teodoro Obiang. Não suportava a opressão e injustiça a que o ditador da Guiné havia submetido seu povo. Sempre se colocou do lado do mais fraco. Assim o fez logo que chegou ao Haiti. Teve como primeiro objetivo aprender a língua local, o crioulo (mistura de francês e dialetos africanos) usado, sobretudo pela população mais pobre (70%). Isabel sabia que para se relacionar com os pobres era imprescindível falar bem seu idioma. O francês era suficiente para se defender entre os ricos e autoridades. Sua missão durante os dois primeiros anos foi percorrer com uma ambulância os povoados mais sofridos do país para vacinar as crianças. A religiosa era enfermeira. Formou-se em Barcelona depois de ter feito o noviciado em Madri. Estudou também Magistério e anos depois se licenciou em psicopedagogia. Por isso dava aulas às crianças em Porto Príncipe e formava professores.
Por @Lucasdelacal. Continuar lendo em El Mundo